Opções de Inverno
O inverno está chegando, os dias ficando mais curtos, o sol escasso e com isso uma sombra de depressão vai crescendo sobre Londres. A cidade começa a ser preparada e enfeitada para as festividades de fim de ano. Passear pelo centro admirando as ricas luzes e os enfeites ostentadores das lojas enche os olhos, enquanto que olhar vitrines e produtos desejadíssimos de consumo esvaziam o estômago. O consumismo inglês se limita aos ingleses e a alguns imigrantes bem sucedidos, dentre os quais todos nós, outros imigrantes, sonhamos estar em um futuro próximo. Não há momento mais propício para bater de cara com nossas limitações financeiras e sociais como o Natal. No Ano Novo a cidade oferece uma estonteante queima de fogos de artifício na beira do Tâmisa. Panis et circenses. Muitos de nós, filhos de Lula, estaremos trabalhando reclusos tentando adivinhar o que se passa no mundo lá fora, enquanto outros esgueirar-se-ão em meio a alguns milhões de filhos de Deus tentando achar um lugar onde se possa assistir ao espetáculo de fogos e respirar ao mesmo tempo. O espetáculo é sempre maravilhoso e se torna centro das conversas no caminho de volta pra casa. Mas a manhã seguinte sempre chega. As três e meia da tarde já é noite e lá se foi o primeiro dia do ano. Uma sucessão de dias cinzentos e curtos passa num piscar de olhos estampando o pensamento 'Estou ficando velho' no meio das nossas testas. Pra evitar cometer suicídio ouvindo Ok Computer do Radiohead, só existem duas opções:
1. Enfiar a cara no trabalho e tentar esquecer a existência daquele circulo amarelo e brilhante que outrora aquecia nossos dias, tentando encher a carteira com aquele papelzinho retangular com um valor monetário atribuído na esperança de gerar no bolso algum calor que suba e se espalhe para o resto do corpo, aquecendo nossos corações capitalistas;
2. Cometer suicídio ouvindo The Bends, The Final Cut ou algum discurso do
Lula;
Esse ano, mais uma vez tendo optado pela 'Opção de Inverno Número 1', saí em busca de um trabalho extra. Embora existam várias alternativas de busca em websites particulares e do governo, ainda opto pela abordagem de porta em porta. Peguei o ônibus 29 aqui de Finsbury Park, sem pagar (nem tanto por ter problemas financeiros, mas por sentir ódio absoluto de todos os funcionários da empresa de transportes daqui, a TFL), e desci em Camden Town onde imaginei que com meu visual alternativo eu não teria problemas em arrumar trabalho. De fato, meu visual não foi o problema. O problema foi que, na correria, não fiz o meu CV (curriculum vitae) e pra evitar passar por incompetente resolvi mentir dizendo que eles tinham acabado de acabar, mas que eu teria imenso prazer em retornar no dia seguinte, se isso fosse necessário, para deixar o CV. Infelizmente isso foi necessário e eu me limitei a anotar o endereço de todos os lugares onde haveriam vagas para retornar no dia seguinte. Depois de percorrer todos os lugares interessantes da avenida principal e do mercado de Camden, já pronto pra entrar no metrô, avistei um pub quase na esquina da Camden High Street com a Parkway chamado NW1.
Fui atendido por um senhor alto e gordo que me pediu o CV. Larguei a ladaínha dos CVs acabados mais uma vez e já me preparei para anotar o endereço do local e adicioná-lo na lista da saga do dia seguinte. Pra minha surpresa, enquanto sacava a agenda do bolso, o senhor me olhou de cima a baixo com cara de aprovação e pediu que eu deixasse o meu telefone. Finalmente uma esperança! Escrevi meus contatos em um pedaço de papel e saltitei para o metrô. Quando saí na estação de Finsbury Park meu telefone vibrou com uma mensagem de um número desconhecido onde se lia:
'Você gostaria de ganhar algum dinheiro essa tarde me deixando brincar com seu
corpo?'
Tonteei. Quem raios estaria fazendo essa brincadeira de mal gosto? Ninguém sabia que eu estava procurando emprego exceto minha esposa. Digitei de volta:
'Quem raios é você?'
Alguns segundos depois meu telefone vibra novamente com a mensagem:
'Desculpa... acho que digitei o número errado'
Ahãm... isso confirmava todas as minhas dúvidas. Só podia ser o gerente gordo e pervertido do NW1. Tapado de nojo digitei:
'Sim! Você digitou o número errado!'
E fui pra casa sem emprego e sem esperanças. Contei o acontecido para minha esposa e tentamos ver o lado engraçado da situação.
Dia seguinte, numa seção de fotos com a Mantango (minha banda, por acaso, http://www.myspace.com/mantango) nos arredores do aeroporto de Londres, do lado leste da cidade, contei o acontecido numa roda com os músicos, técnicos, camera e fotógrafo. Pra fechar o caso com chave de ouro passei meu celular com a mensagem pornográfica de mão em mão. Enquanto o celular passava, iamos desviando o assunto de volta ao trabalho e eu perdi o telefone de vista. O último a receber o telefone foi Albert, um dos técnicos. Por estar desatento durante a minha narrativa ele não entendeu a gravidade da situação e achou que seria muito engraçado responder a mensagem dizendo 'Sim'. Quando recebi de volta o celular, ele já estava vibrando com uma nova mensagem do gordo pervertido que dizia:
'Como assim, sim?'
Ouvindo o técnico cacarejar comecei a realizar o que tinha acontecido. Meu mundo começou a rodar e somente minha cara de pânico fez com que a alegria do Albert acabasse. Vozes na minha cabeça ecoavam com a voz da minha esposa me repreendendo, quebrando tudo e indo embora de casa com o coração partido e a certeza de que seu marido dava o cu pra levantar uns trocos. Eu podia ignorar tudo e deletar as mensagens, mas ele certamente ia me contactar de novo e obviamente seria durante alguma sessão romântica de cinema em casa, entre uma pipoca e outra. Incomodação desnecessária. Repirei fundo, pensei rápido e digitei:
'Sim, VOCÊ DIGITOU O NÚMERO ERRADO!'
Será que eu encontro algum discurso do Lula no Youtube?
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