MULTICULTURALISMO (Parte 2) Saudades de Finsbury Park
Não há nescessidade de ir longe para se atestar o multiculturalismo Londrino. Eu mesmo o aprendi e vivenciei da janela do apartamento onde viví pelos últimos 3 anos em Finsbury Park.
Foi dessa janela que presenciei, por exemplo, a fuga de cinquenta Jamaicanos que, depois de arrumarem briga com uma turma de Nigerianos, foram perseguidos pela polícia Inglesa atropelando uma Espanhola que acabou caída imóvel no chão. Foi dela que assisti também dois Caribenhos colocarem um Polonês para correr e outro para dormir por causa de um guarda-chuva que não deveria estar aberto. Foi dessa mesma janela que um Árabe me chamou pro pau só por que eu estava olhando pra fora e depois de ser ignorado foi-se embora chutando todas as latas de lixo no caminho com golpes de karatê.
Se eu me cansasse das lições aprendidas na janela, bastava abrir a porta para receber ensino multicultural gratuito. Nos corredores do Malaka's Hotel (apelido carinhoso de nosso ex-bloco residencial ilegal) pessoas de todas as raças, credos, cores e intenções transitavam desconfiadas. Certa feita, subindo as escadas com minha digníssima rumo ao lar, fui abruptamente agarrado por um Lituano bêbado e com sede de sangue de mariquinhas. Quando ele acabou de gritar o que deveria ser minha sentença de morte em lituano a dois centímetros da minha cara, limpei o perdigoto e disse "Labas, keip taun sakas?" ('oi, como vai' em lituano). Isso o confundiu tão profundamente que seus braços amoleceram, deixando escapar a presa. Não sei o que passou pela cabeça dele para me deixar partir intacto. Creio que nada. O fato é que cinco minutos mais tarde ele arremessou um outro Brasileiro mirradinho e cabeludo, que nem eu, atravéz de uma porta de vidro para o horror do gerente Grego e do porteiro Colombiano. Em cada um desses eventos minha rua acabava fechada por um cordão policial e uma barreira de aproximadamente dez carros de polícia. Dezenas de oficiais da Polícia Metropolitana infestavam a área, transformando esse cantinho de meu Deus no metro cúbico mais protegido do planeta.
O ônibus noturno, que conecta o centro histórico-cultural Londrino aos aconchegos das minhas querências não deixava por menos. No 'N29', sob um odor único das essências de álcool, kebab, fritas, suor, cecê e vômito, Catalões beberrões, Mineiros maconheiros e gente de todo o mundo, assim, meio muribundo, gritavam como se não houvesse amanhã para ser entendidos no meio dos outros gritos e nunca paravam pra se perguntar: 'Não seria mais fácil se todos nós falássemos um pouco mais baixo?'. Balançando no meio daquela confusão, assisti de camarote uma Indiana socando uma Alemã na nuca, pois ela e sua amiga Francesa estavam falando mau de Judeu, ví meu irmão quase sendo estuprado por uma turma de Africanos, com quem ele, do nada, resolveu brigar e assisti a mão de um Argelino entrar sorrateiramente no meu bolso pra tentar roubar meu PSP Japonês que ganhei de uma Italiana.
Finsbury Park agora é passado. Saudades do Lidl, saudades do Tesco e do 'Bar dos Mendigos'*. Como músico, me dispo de preconceitos e me despido com um samba:
Saudosa Malaka's...
Malaka's querida
Din-din-dondi nóis passêmo
diás feliz di nossas viiiidaaaaa.........
*Referência cedida gentil e involuntariamente por Joe Bass®(2005), o imbecil do meu irmão:
http://www.joepopstar.blogspot.com/
Foto: Wilberforce Road, a rua da minha saudosa Maloca.
MULTICULTURALISMO (Parte 1) Rock Inglês e o pseudo-'multi'culturalismo Brasileiro
Para entender o multiculturalismo no Brasil, precisamos nos situar.
Analizando um mapa mundi, realizaremos que o nosso país está na América do Sul e se você olhar esse mapa bem de perto verá que a América do Sul é longe de tudo e de todos. Uma passagem aérea daqui da Inglaterra para São Paulo custa normalmente £700,00 libras (mais ou menos R$2800,00 reais) enquanto que, para se voar para capitais da Europa tais como Paris, Berlim, Bruxelas Amsterdam e muitas outras, você pagará geralmente algo em torno de £20,00 libras (aproximadamente R$80,00 reais). Para se ir pra Goa na Índia, por exemplo, você gastará £320,00 libras (R$1280,00 reais) e querendo visitar o Japão você precisará de £500,00 libras (R$2000,00 reais) para voar para a capital.
Assim, os turistas europeus acabam por não colocar o Brasil nas suas listas de férias de verão e vôam para Tokyo para usufruir a paz social em meio ao caos da superpopulação japonesa, afastando-se das duas únicas realidades brasileiras que os gringos conhecem: 'Cidade de Deus', o fime que colocou a corda no pecoço do turismo brasileiro e 'Tropa de Elite', o filme que vai puxar o banquinho exterminando-o completamente.
Ninguém vai para o Brasil hoje em dia. Nosso multiculturalismo é basicamente interno. Brasileiros de todas as partes se apinham nos grandes centros criando uma ligação quase que inseparável entre o baião e o chimarrão e o moog e o violão nos pagos do meu sertão. O único multiculturalismo externo ao qual somos expostos é o anglo-saxão que nos é imposto pela mídia para ajudar e drenar nossos reais magrinhos de nossos bolsos levinhos. Eu, como bom brasileiro, sou mais uma presa desse 'multi'culturalismo imposto. Sou uma vítima incurável do Rock&Roll. E com orgulho.
Ontem realizei um sonho que jamais houvera sonhado. Convidado para começar um novo projeto de gravação em estúdio, adentrei estupidamente desinformado no que vem a ser conhecido como 'Britannia Row Studios'.
Percebi imediatemente que não se tratava de qualquer fundo de quintal chinfrim pela quantidade estúpida de aparelhagem enfileirada nas paredes ao lado de uma mesa Neve 5116 de 64 canais que jamais foi desligada e que, se fosse, levaria pelo menos três meses para reaquecê-la o suficiente para se extrair um som razoável.
O reverb da mesa era um 'Plate' legítimo: em uma sala isolada anexa encontrava-se uma enorme placa de metal, um microfone e uma caixa de som e a reverberação e a tensão da placa de metal eram totalmente automatizadas na mesa. As referências do estúdio também eram impecáveis: Supergrass, Kylie Minogue, Plant&Page, Bjork, Snow Patrol e muitos outros gravaram seus últimos albuns alí.
No entanto, minha mandibula começou a cair realmente quando começou-se a falar em valores. Além dos monitores N10 tradicionais da Yamaha, o studio fornecia monitores que eles chamam de boxers: duas caixas de 1X1.5 metros de diâmetro, com um design triangular, usado para se testar frequências graves, no valor aproximado de £20 mil libras (R$80 mil reais)... cada um! Pode parecer um exagero, mas as boxers valem o quanto pesam: se você passar do volume recomendado, é muito provável que você passe mal. Não que seus ouvidos possam sangrar, ou coisa parecida, mas o grave das caixas é cientificamente capaz de te fazer cagar nas calças. Não existem limites impressos nas paredes do estudio mas se você se passar, o problema é seu. O estúdio fornece o balde e o esfregão. Apesar de perigoso, as boxers são muito úteis para nós baixistas. Já o porquê de alguém pagar R$160 mil reais pra correr o risco de se cagar na frente de toda a banda e ter que ouvir piadinha pro resto da vida, bem, esse eu já não sei.
Me falaram os valores de muitas outras coisas, todas na mesma faixa de preço, mas a essa altura eu já estava tonto e já havia perdido a capacidade de guardar informações. O valor da mesa eu não quis saber. Interrompí meu guia no meio da sentença e saí batendo pé pois precisava mais do que nunca ver aquela mesa como um amigo, não como um inimigo extra-terreno capaz de arruinar financeiramente a mim e a todas as pessoas a quem me ligo emocionalmente com o simples derramar de um cafezinho. Eu precisava relaxar pra poder cantar.
Mas a verdadeira mágica aconteceu quando eu descobri QUEM foram os donos daquele estúdio nos anos 70. Precisei de 15 minutos de silêncio para me recuperar do abalo causado pela realização de se estar pisando em solo sagrado. Uma vez passado o espanto, entrei estúdio adentro na compania do pessoal da minha banda para fazer um dos melhores turismos musicais que já vivenciei, na companhia de nosso guia, Fred, o homem do cafezinho (resolvi fazer um uso mais sabio do cafezinho da empresa). Britania Row foi construido no início da decada de 70 por quatro jovens amantes do rock e precursores do esperimentalismo esotérico conhecidos pelo nome de 'Pink Floyd'. Foi nesse estúdio que foram gravados albuns tais como 'Animals', 'Dark Side of the Moon' e outros. Olha o que eu encontrei perdido alí:
Esquerda, teclado Hammond de Rick Write, usado para gravar o album 'Animals' no palco. Direita, mesmo teclado sendo vandalisado por um fã inconsequente (note que esse móvel atrás de mim, apesar de se parecer com uma estante para guardar a porcelana chinesa da vovó, é na verdade a caixa Leslie original usada por Rick Write) Microfone de gravação de guia, com muito perdigoto do Roger Waters e do David Gilmour. No canto direito, o pré-amp que usei para gravar meu baixo, que pertenceu ao digníssimo Sr. David Gilmour. Pronto, já ví tudo que queria ver na vida. Posso morrer tranquilo, realisando uma antiga fantasia erótica que envolvia cortar meus pulsos com a mesma gilete usada para contar os tapes do 'Dark Side of the Moon', derramando meu sangue sobre a máquina e sobre os rolos ao som do 'The Final Cut'.
Adeus .